domingo, 25 de dezembro de 2011

FAZ HOJE 81 ANOS




Aquela loura a olhar a rir
Que tinha o lenço descaído
E cujo andar faz descobrir
O que há por trás do seu vestido,
Aquela loura fez-me mal


E o meu olhar foi casual
É isto. A gente vive asceta
E acha bastante só pensar
E em plena rua vem a seta
Que um corpo é arco de atirar.
Sim, o ascetismo continua
Mas fica essa visão da rua.


E entre mim e o que escrevo passa
O maneio que não olvido,
O olhar rindo com graça
A boca, o lenço descaído,
E já o meu coração não tem
A paz que a ela e a mim convém.


Mas (não desejo exagerar)
Não pesa muito essa visão
Que vem assim arreliar
A minha firme solidão…
O mal que faz consegue conter
Toda a brandura do prazer.


Bem: vamos à filosofia.
A cada qual, inda se o nada
Acata, há sempre uma alegria
Que dá e passa e dói e agrada…
E solidão todos a têm
O caso é que procurem bem.


FERNANDO PESSOA, 25 DE DEZEMBRO DE 1930

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