Movem nossos braços
outros braços que os nossos,
Falam na nossa boca
lábios que não nos pertencem.
Não somos agentes; nós
somos acções - os destroços
De gestos apenas metade
neste mundo em que a vida
Passa como um cortejo em
que os olhos de Deus pensem
E entre ele e o cortejo
pensado há quem age esta lida.
Somos cartas mandadas de
espírito para espírito na treva,
Quebrada a ponte, nós
somos a ponte, e isso é falso...
Farrapos das intenções
dos anjos que a treva leva
E ao alto de cada alma
nossa ergue-se um cadafalso...
Tudo isto se passa entre
Deus e o ser que não temos
E no intervalo chora o
som da ida nos remos.
FERNANDO PESSOA, 27 DE
ABRIL DE 1916
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