Onde a serenata?
Dormem os arvoredos.
Há mosqueios de prata,
Luar em rastos e enredos...
Cantam que vozes suaves?
Enche-se a alma de querer
Ter qualquer cousa das aves
Para a poder entender...
Oh, sombras longas, levai-me
Até a quem vós cantais...
Na vossa música dai-me
Melhor dor que a dos meus ais...
Vinde buscar-me ao desejo,
Despi-me da ilusão...
Vosso murmúrio não vejo...
Não ouço a vossa canção...
Mas na cor oca do luar,
No lago alado da brisa,
Há vozes indo a cantar
Pela floresta indecisa...
E em serenata levantam
Os seus suspiros ao céu,
Qual é a mágoa que contam
Que é melhor que o gozo meu?
O que é [que] buscam que querê-lo
Vale mais que em nós ter?
Que olhos tem, que cabelo,
Essa invisível mulher?
Não há maneira de eu ir
Da humanidade p'ra onde
E entre essa mágoa sorrir
Onde o luar se esconde.
Ah, ensinai-me o unguento
O óleo das bruxas loucas
Com que atingir o lamento
Preso nas vossas bocas.
Olho, e só vejo o luar.
Escuto, e nem ouço a brisa.
Quem é que está a cantar?
Quem, que a minha alma precisa?...
FERNANDO
PESSOA, 9 DE MARÇO DE 1917
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