Dói-me a alma como um
corpo, e o peso todo
Do que é o mundo se o
sentimos ser
Confunde de torpor o
abstracto modo
Como me sinto
compreender.
Não tarda a noite vasta
a alvorecer.
Paira um silêncio frio e
vegetal
Sobre onde caiu a chuva
- a terra, ou o lodo,
As árvores e arbustos do
quintal.
Inerte e abandonado
transfiguro
O cansaço que vem de não
dormir
Num grande e ermo
cansaço, incerto e escuro,
Onde não sei como
sentir.
O que sinto nasceu da
insónia e o sono,
Mas, como alheio,
cerca-me e é um muro
Com que o ermo mundo é
meu senhor e dono.
Tudo quanto se pode em
sentimento
Trazer de mágoa à tona
de pensar -
Infância morta, porvir
nevoento,
Não pode querer nem
amar,
Tudo isso, como se
existisse e não
Fosse um vácuo sem
forma, noite ou vento,
Me pesa como uma
desilusão.
FERNANDO PESSOA, 15 DE
MARÇO DE 1932
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