sábado, 26 de outubro de 2013

FAZ HOJE 94 ANOS




Sentados sós, lado a lado, 
Com a névoa dos montes ao fundo 
Do fundo do céu azulado. 

(Na hora das rosas a morte) 

Eu o que dizia era 
Igual ao que eu não dizia, 
Princípio da primavera. 

(Na hora das rosas a morte) 

Os nossos pés, lado a lado, 
Quietos na erva, curvando-a, 
Na erva de qualquer prado. 

(Na hora das rosas a morte)

Sobre nós a sombra dos ramos, 
Nossas costas no tronco largo, 
Lado a lado, (..) 

(Na hora das rosas a morte) 

Braço esquerdo, braço direito 
Tocando de leve um no outro 
Lado a lado, ali, sem defeito. 

(Na hora das rosas a morte) 

Sem olharmos um para onde 
Estava o outro, mas lado a lado 
Ao fundo do fundo o monte. 

(Na hora das rosas a morte) 

O que a alma me respondia 
Do lado de mim, existente; 
Era o mesmo que eu dizia. 

(Na hora das rosas a morte) 

Jardim do princípio da vida? 
Ninguém... Lado a lado olhando 
Nada connosco a descida. 

(Na hora das rosas a morte) 

Depois era a estrada deserta 
E vedando-a de nós o muro 
Lá em baixo, a descida finda 

(Na hora das rosas a morte) 

Depois, para além da estrada 
Subia outra vez... Lado a lado 
Víamos, sem ver nada. 

(Na hora das rosas a morte) 

Depois era o monte pequeno, 
Depois montes e mais montes, 
O último o mais sereno 

(Na hora das rosas a morte) 

No monte do fim se via 
A névoa no alto do monte, 
Um sol frio aquecia. 

(Na hora das rosas a morte) 

E a copa da árvore descida 
Só pouco do céu azul 
Deixava ao olhar e à vida 

(Na hora das rosas a morte) 

Não sei como foi, ou o que era 
Dos montes, da sombra, da erva, 
Princípio da primavera... 

(Na hora das rosas a morte) 


FERNANDO PESSOA, 26 DE OUTUBRO DE 1919

Sem comentários: