Há quanto tempo não canto
Na muda voz de sentir.
E tenho sofrido tanto
Que chorar fora sorrir.
Há quanto tempo não sinto
De maneira a o descrever,
Nem em ritmos vivos minto
O que não quero dizer...
Há quanto tempo me fecho
À chave dentro de mim,
E é porque já não me queixo
Que as queixas não têm fim.
Há quanto tempo assim duro
Sem vontade de falar!
Já estou amigo do escuro
Não quero o sol nem o ar.
Foi-me tão grande e crescida
A tristeza que ficou
Que ficou toda na vida
Para cantar não sobrou.
FERNANDO PESSOA, 14 DE JUNHO DE 1930
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