I
O grande espectro, que
faz sombra e medo,
Ergueu-se ao pé de mim,
e eu temi-o;
Não porém com pavor, que
nasce cedo,
Mas com um negro medo,
oco e tardio.
Trajava o corpo seu
vácuo e segredo
E o espaço irreal, onde
formava frio,
Era como os desertos do
degredo,
Um não-ser mais vazio
que o vazio.
Não mais o vi, mas sinto
a cada hora
Ao pé da alma, que teme
e já não chora,
A álgida consequência e
o vulto nada,
E cada passo em minha
senda incerta
Um eco o acompanha, que
deserta
Da atenção fria,
inutilmente dada.
II
Na pior consequência de
pensar
Invoquei Deus, como um
auxílio, e não
Como o ermo criador da
criação.
Sentia-me órfão. (Pai,
te quero achar...)
Mas nos ermos do tempo e
do lugar,
Na minha iniludível
solidão,
Nem Deus nem almas
encontrei, e em vão
Abri a porta da alma par
em par.
Fui ser pedinte à
esquina do Destino,
Fiz-me, por conseguir a
pena e a esmola,
Tal qual eu era, mísero
e menino.
Mas nada me conhece ou
me consola.
O mundo existe, a mente
é desatino,
E o nada que não somos
nos desola.
III
Então, porque pensar
conduz ao ermo,
E há crenças boas onde
há juntas casas,
Fiz do meu coração
prolixo e enfermo
Um campo virtual de sol
e asas.
Como quem, tendo um lar
e olhando as brasas
Entra num sonho sem
sentido ou termo,
E há paz até nas
lágrimas que, rasas
Aos olhos (...)
Abandonei, como um
aldeão antigo
Os largos campos de sol
alto e trigo
E acolhi-me ao caminho,
como a um lar..,
Mais vale a estrada que
pensar; mais dura
A consciência da minha
alma 'scura
Que o sol na aldeia,
como azul do ar.
FERNANDO PESSOA, 9 DE
FEVEREIRO DE 1930
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