sexta-feira, 7 de julho de 2017

FAZ HOJE 98 ANOS



Cedo de mais vem sempre, Cloé, o inverno.
É sempre prematuro, inda que o espere
Nosso hábito, o esfriar
Do desejo que houve.

Não entardece que não morra o dia.
Não nasce amor ou fé em nós que não
Morra com isso ao menos
O não amar ou crer.

Todo o gesto que o nosso corpo faz
Com o repouso anterior contrasta.
Nesta má circunstância
Do tempo eternos somos.

Só sabe da arte com que viva a vida
Aquele que, de tão contínua usá-la,
Furte ao tempo a vitória
Das mudanças depressa,

E entardecendo como um dia trópico,
Até ao fim inevitável guie
Uma igual vida, súbito
Precipite no abismo.

RICARDO REIS, 7 DE JULHO DE 1919


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