Quando, cheio do próprio
dó,
No meio do ermo e
horrível universo,
Cada um conhece que 'stá
só
E que quanto mais saúda
os céus e o pó
Mais somente em si mesmo
está imerso;
Quando, na fria e alheia
solidão
Que é tudo, quando o
sente o coração,
Quando são mortos os que
nos amaram
E só os que nos estremam
nos finaram,
Para fazer mais fria e
mais sozinha
A casa sem raiz que nos
deixaram
E a abandonada vinha...
Então, quando uma nova
consciência,
Um pavor louco da
infinita treva,
Nos enche a inexistência
E uma névoa do além se
eleva...
Então, Senhor, erguendo
o olhar sem rumo,
Surge da inerte noite,
como um dia
Teu vulto
misericordioso,
Teu gesto paternal e
cuidadoso,
Tua tristeza e
alegria...
FERNANDO PESSOA, 27 DE
JANEIRO DE 1928
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