domingo, 3 de janeiro de 2016

FAZ HOJE 80 ANOS





Depois de quando deixei de pensar em depois
Minha vida tornou-se mais calma -
Isto é, menos vida.
Passei a ser o meu acompanhamento em surdina.

Olho, do alto da janela baixa,
As garotas que dançam a brincar na rua.
O seu destino inevitável
Dói-me.
Vejo-lho no vestido entreaberto nas costas, e dói-me.

Grande cilindro, quem te manda cilindrar esta estrada
Que está calçada de almas?

(Mas a tua voz interrompe-me
- Voz alta, lá de fora do jardim, rapariga -
E é como se eu deixasse
Cair irresolutamente um livro no chão.)

Não teremos meu amor, nesta dança da vida,
Que fazemos por brincadeira natural,
As mesmas costas desabotoadas
E o mesmo decote a mostrar-nos a pele por cima da camisa suja?

ÁLVARO DE CAMPOS, 3 DE JANEIRO DE 1935


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