ABERTURA DO ITINERÁRIO
Estes livros de versos
juntos são
Uns Grandes Armazéns da
Sensação
Onde o leitor casual
encontrará
O que convenha a
qualquer impressão,
Ou, talvez, o que nunca
convirá.
E, assim, terá, com
muito de profundo,
E alguma coisa de incompreensível,
Um razoável espectáculo
do mundo,
Em várias formas de
ilusão e nível,
E sentirá, se não for
insensível.
Mas, verdadeiramente,
quem lê versos
Lê só a própria alma, e
eu não tenho
A certeza de que entre
os meus diversos
Modos, consiga não ser
estranho
Ao casual leitor que
perco ou ganho.
Ninguém vê senão a alma
em que ermo habita
Ninguém conhece senão
quem nasceu.
Nos Armazéns que ofereço
requisita
Quem quiser o que quer,
e não medita
Que, apesar de ser tudo,
eu sou só eu.
Sim, isolados, e não só
no espaço,
Entre alma e alma não há
nenhum laço,
E o que dizemos nunca é
compreendido.
Reste ao menos em mim um
som de passo
De viandante nem visto
nem ouvido.
FERNANDO PESSOA, 17 DE
JANEIRO DE 1931
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