PECADO ORIGINAL
Ah, quem escreverá a
história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a
escrever,
A verdadeira história da
humanidade.
O que há é só o mundo
verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós,
e a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos
supusemos.
A nossa realidade é o
que não conseguimos nunca.
Que é daquela nossa
verdade - o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa
certeza - o propósito à mesa de depois?
Medito, a cabeça curvada
contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto
da janela de sacada,
Sentado de lado numa
cadeira, depois de jantar.
Que é da minha
realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só
quem existo?
Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com
alguma justiça;
Na inteligência, e com
alguma razão -
Meu Deus! Meu Deus! Meu
Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
ÁLVARO DE CAMPOS, 7 DE
DEZEMBRO DE 1933
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