Que suavemente!,
Como se, estando eu
doente,
Me doesse de bem sentir
o mundo
Ruidoso e indiferente,
Vêm estes pregões da
rua,
Com uma claridade nua,
Do fundo
De ali onde está toda a
gente!
Inerte jazo,
Sem dormir, cansado
De todo o atraso
Do meu propósito
enganado.
Jazo, cansado e errado.
Jazo, mas vem de lá de
fora,
Das que trazem canastras
cheias,
Das que vão, sem pensar
nem meias,
Gritos que são como uma
aurora.
Não sei que vendem nem
quem são,
Mas cai na minha solidão
Como um orvalho de
verdade
Aquela absurda suavidade
De saber que as que
vendem vão
Vendendo na realidade.
FERNANDO PESSOA, 2 DE
DEZEMBRO DE 1933
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