Muito longe, muito
longe...
Nem tu sabes, filha
Como era longe, tão
longe
Aquela % ilha
Onde eu vivi, tão
sonhando,
Uma vida que não tive
E onde Essa cujo olhar
brando
Foi sonho meu, inda
vive...
Nem tu sabes como é
longe
Num Oriente de outra
Terra
Essa ilha onde eu fui
monge!
Ao longe havia uma serra
Aquém erra o olhar
sombrio
De arvoredos de outro
ser
Corria por ele um rio
Com outro modo de correr
Foi aí que eu aprendi,
Foi aí que eu fui buscar
O sonho que busco em ti
E que em ti não posso
achar...
É por ter ali vivido
Que não posso ter amor
A quanto há entre o
ruído
Deste mundo em meu
redor.
Por isso quando eu te
olho
Não penso em ti, mas
evoco,
Outro amor que em mim
desfolho.
Por isso nunca te toco,
Por isso vivo sozinho
Alheadamente
tristonho...
Não sei construir um
ninho
Senão com penas de sonho
Das que há naquela ilha
Que amei antes de
viver...
Não me olhes... Eu
sonho, filha...
Mas tu tens às vezes
gestos,
Modos rápidos de olhar,
Leves (...) lestos
Que não tens consciência
Que lembram gestos de
Aquela
Que viveu comigo além
Naquela ilha que é bela
Pelo Mundo que não tem
E eu pergunto de repente
Se tu serás ela, e como
Eu próprio sejas doente
De universo... E um vago
assomo
De querer-te no
ignorar-te
De te amar até
esquecer-te
Torna-se toda a minha
arte...
Ah o tédio que este céu
verte!
FERNANDO PESSOA, 25 DE
JANEIRO DE 1912
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