sexta-feira, 25 de novembro de 2011

FAZ HOJE 80 ANOS





Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São - tictac visível - quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela directamente, no desespero da insónia. 
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!
Fraternidade na noite!


Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.


Quem será? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.


Sobre o parapeito da janela traseira da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira a que agarro,
Debruço-me para o infinito, e, um pouco, para mim.


Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo! 
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita...
Tem graça; não tens luz eléctrica.
Ó candeeiro de petróleo da minha infância perdida!


ÁLVARO DE CAMPOS, 25 DE NOVEMBRO DE 1931

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