sexta-feira, 9 de setembro de 2011

FAZ HOJE 79 ANOS





COSTA DO SOL
I




Todas as coisas são impressionantes.
Enquanto houver no mundo sangue e rosas
Há-de haver sempre bons instantes
Em que se passam coisas sem ser coisas.


Meu coração, um solavanco, ou antes
Um intervalo consciente. Lousas
Cobrem os que como eu tinham rompantes
Em que iam à conquista das teimosas.


Mas o foguete é um símbolo que sobe
Para cair, depois de ruídos no alto, 
Mera cana caduca, até sobre


Quem o deitou... E que um garoto leva
Da rua - a cana ardida - é quanto falto
Que absurdo pirotécnico me eleva?


II


Deixo, deuses, atrás a dama antiga
(Com uma letra diferente fixo
O absurdo, e rio porque o sofro). Digo:
Deixo atrás, quem amei como um prefixo...

Outrora eu, que era anónimo e prolixo
(Dois adjectivos que de há muito sigo)
Amei por ter um coração amigo.
Amo hoje o que amo só porque o persigo.

Dêem-me vinho que um Horácio cante!
Quero esquecer o que de meu é meu...
Quero, sem que me mexa, ir indo adiante.

Estou no Estoril e olho para o céu...
Ah que ainda é certo aquele azul ovante
Que esplendeu astros sobre o mar egeu.

III

Somos meninos de uma primavera
De que alguém fez tijolos.Quando cismo
Tiro da cigarreira um misticismo
Que acendo e fumo como se o esquecera.

No teu ar de dormir nessa cadeira,
(Reparo agora, feito o exorcismo,
Que o terceiro soneto ergue do abismo)
És sempre a mesma, anónima, terceira...

Ó grande mar atlântico, desculpa!
Cuspi à tua beira três sonetos.
Sim, mas cuspi-os sobre a minha culpa.

Mulher, amor, alcova, sois tercetos!
Só vós ó mar  e céu nos libertais
Que qualquer trapo  incógnito franjais
.................................................................................
Sossego? Outrora? Ora adeus! Foi feita
No cárcere a Marília de Dirceu.
De realmente meu,só tenho eu.

Pudesse eu pôr um dique ao que em mim espreita
(No perfil de pálida imperfeita,
Recorto morto contra um vivo céu,


ÁLVARO DE CAMPOS, 9 DE SETEMBRO DE 1932

Notas: 1) - a linha ponteada pode fazer entender que o Poeta tencionava substituir os tercetos que se seguem.
          2) - Dá ideia que faltou fechar o parentsis,                porque,eventualmente, o Poeta não considerava o poema acabado.




1 comentário:

Pedro disse...

Senhor Fernando, boa tarde, meu nome é Pedro e estou fazendo um trabalho sobre Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. Vi que o senhor possui esboços dessas imagens publicadas em seu blog. Gostaria de saber de onde vieram essas imagens. Desculpe escrever esse comentário, mas não encontrei seu e-mail. O meu é pkrause8@yahoo.com.br

Agradeço imensamente a ajuda. Abraços.