Ah, como o sono é a verdade, e a única
Hora suave é a de adormecer!
Amor ideal, tens chagas sob a túnica.
'Sperança, és a ilusão a apodrecer.
Os deuses vão-se como forasteiros,
Como uma feira acaba a tradição.
Somos todos palhaços estrangeiros.
A nossa vida é palco de confusão.
Ah, dormir tudo! Pôr um sono à roda
Do esforço inútil e da sorte incerta!
Que a morte virtual da vida toda
Seja, sons, a janela que, entreaberta,
Só um crepúsculo do mundo deixe
Chegar à sonolência que se sente;
E a alma se desfaça como um feixe
Atado pelos dedos de um demente.
FERNANDO PESSOA, 18 DE MAIO DE 1923
quarta-feira, 18 de maio de 2011
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