Era um morto encontrado na rua.
Levam-no em padiola
Para casa que não era sua,
Uma casa grande, como um centro
político, ou escola.
Levam-no, apanhado do chão,
Caído por doença súbita,
desconhecido.
Tinha, como nós todos, vida e coração.
Apanham-no no chão, caído.
Diz o jornal 'com ar de operário',
mas até
Que não dissesse, que ar poderia ter
Verdadeiramente quem publicamente só
é
Apanhado do chão, onde ficou a
morrer?
Vejo levá-lo na padiola, e em minha
alma
Há um frio que desconheço, um pavor.
Levam-no para a morgue pela tardinha
calma...
Que tenho eu de melhor ou certo, ou
de melhor.
Não foi identificado? Qual de nós o
é?
Em padiola? É diferente ir morto em
caixão?
FERNANDO PESSOA, 5 DE FEVEREIRO DE
1928
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