VENDAVAL
Ó vento do norte, tão fundo e tão
frio,
Não achas, soprando por tanta
solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!
Indómita praia, que a raiva do
oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do
humano
Como a alma que há em mim!
Mas dura planície, praia atra em
fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes
vê;
E nisto que em mim é vácuo e
tristeza
É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da
vida!
Tu, vento do norte, teimoso,
iracundo,
Que rasgas os robles - teu pulso
divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a
areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da
ideia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver
-
Porque é que não entras no meu
pensamento
Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a
consciência!
Horror de sentir a alma sempre a
pensar!
Arranca-me, ó vento; do chão da
existência,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais
escura,
Pelo caos furioso que crias no
mundo,
Dissolve em areia esta minha
amargura,
Meu tédio profundo.
E contra as vidraças dos que há que
têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!
Meu coração triste, meu coração
ermo,
Tornado a substância dispersa e
negada
Do vento sem forma, da noite sem
termo,
Do abismo e do nada!
FERNANDO PESSOA, 12 DE OUTUBRO DE
1919
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