Não tínhamos ainda visto o cadáver de nosso
Pai prudente e sábio. Por isso
afastámos para um lado o altar. Então pudemos levantar uma chapa
forte de metal amarelo, e ali estava um belo corpo célebre, inteiro e
incorrupto…, e tinha na mão um
pequeno livro em pergaminho, escrito a ouro, intitulado T., que é depois da
Bíblia o nosso mais alto tesouro nem
deve ser facilmente submetido à censura do mundo.
Fama Fraternitatis Roseae Crucis
NO TÚMULO DE CHRISTIAN ROSENCREUTZ
I
Quando, despertos deste sono, a
vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até ao Corpo, essa
descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou
flui?
Não: nem na Alma livre é
conhecida...
Nem Deus, que nos criou, em Si a
inclui.
Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adão Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe
morreu...
De além o Abismo, 'Spírito Seu, Lha
veda;
Aquém não há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente
escurecido.
Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e
ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do mestre e o Bem
profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue actual de Cristo enfim
libertos
Do a Deus que morre a geração do
Mundo.
III
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em
falsidade.
Sombras buscando corpos, se os
achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras que
tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.
Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta
aberta?
............................................................................
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai RoseaCruz conhece e cala.
FERNANDO PESSOA, POEMA SEM DATA
Sem comentários:
Enviar um comentário