Encostei-me para trás na cadeira de
convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma
como um precipício.
A minha vida passada misturou-se-me
com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de
fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a
partida de xadrez.
Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na ideia tão confortável de hoje
ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter
responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade
propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que
a sueca ali deixasse.
Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida
um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que
fui outrora
Quando brincava na quinta e não
sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's
de sentimento.
Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância
nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento,
como por outros análogos
Aqueles momentos em que não tive
importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o
vácuo da existência sem inteligência para o compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó
Álvaro.
ÁLVARO DE CAMPOS, POEMA SEM DATA
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