Ali não havia electricidade.
Por isso, foi à luz de uma vela
mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler -
A Bíblia, em português, porque
(coisa curiosa!) eram protestantes.
E reli a Primeiro Epístola aos Coríntios.
Em torno de mim o sossego excessivo
das noites de província
Fazia um grande barulho ao
contrário,
Dava-me uma tendência do choro para
a desolação.
A Primeira Epístola aos Coríntios...
Reli-a à luz de uma vela subitamente
antiquíssima,
E um grande mar de emoção chorava
dentro de mim...
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de
tudo neste mundo?
"Se eu não tivesse a
caridade"...
E a soberana voz manda, do alto dos
séculos,
A grande mensagem com que alma fica
livre...
"Se eu tivesse a caridade"...
Meu Deus, e eu que não tenho a
caridade!
ÁLVARO DE CAMPOS, 20 DE DEZEMBRO DE
1934
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