Em torno a mim, em maré cheia,
Soam como ondas a brilhar,
O dia, o tempo, a obra alheia,
O mundo natural a’star.
Mas eu, fechado no meu sonho,
Parado emigro, e, sem querer,
Inutilmente recomponho
Visões do que não há-de ser.
Cadáver da vontade feita,
Mito real, sonho a sentir,
Sequência interrompida, eleita
Para os destinos de partir.
Mas presa à inércia angustiada
De não saber a direcção,
E ficar morto na erma estrada
Que vai da mente ao coração.
Hora própria, nunca venhas,
Que ontem talvez foi pior...
E tu, sol claro que me banhas,
Ah, banha sempre o meu torpor!
FERNANDO PESSOA, 26 DE ABRIL DE 1926
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