Já que a tarde desceu serena
E alguma cousa a sombra quer
Que faça, por sombreados, pena
Vivamos um canto qualquer...
Consideremo-nos amantes
Sem sexo, nem olhar, nem beijos
Em terras (…) e distantes
Onde não chegam os desejos...
Almas do corpo despidas
Entressonham-nos amando,
Em alamedas (…) compridas
E pinheiros ao vento acenando...
Muito longe daqui, tão longe
Que nem saibamos o que é
Essa coisa que nos faz monge
O que em nós (…)
E ao sonhar tristes este sonho -
A tarde (…) escureceu -
Não nos olhemos, nem (…)
Saibas de mim ou de ti eu...
Mas um do outro esquecidos
Na vã presença corporal
Os nossos sonhos desmedidos
Sejam o nosso sonho igual
E seja sem consciência alguma
Que somos dois em um, nas calmas
(…), prova isso é do amor, em suma,
O mesmo sonho em duas almas.
O mesmo sonho, inteiramente
Co-espontâneo, no mesmo instante
Na tua mente, e minha mente
(…)
E quando a luz vier desfazer
O nosso (…) tristonho
Notamos no nosso olhar ver
As lágrimas do mesmo sonho.
FERNANDO PESSOA, 18 DE ABRIL DE 1911
Sem comentários:
Enviar um comentário