domingo, 1 de janeiro de 2012

FAZ HOJE 92 ANOS



A antiga canção,
Amor, renova agora.
Na noite, olhos fechados, tua voz
Dói-me no coração
Por tudo quanto chora.
Cantas ao pé de mim, e eu 'stou a sós. 


Não, a voz não é tua
Que se ergue e acorda em mim
Murmúrios de saudade e de inconstância,
O luar não vem da lua
Mas do meu ser afim
Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância.


Não, não é o teu canto
Que como um astro ao fundo
Da noite imensa do meu coração
Chama em vão, chama tanto...
Quem sou não sei... e o mundo?...
Renova, amor, a lembrada canção.


Cantas mais que por ti,
Tua voz é uma ponte
Por onde passa, inúmero, um segredo
Que nunca recebi -
Murmúrio do horizonte
Água na noite, morte que vem cedo.


Assim, cantas sem que existas.
Ao fim do luar pressinto
Melhores sonhos que estes da ilusão.


FERNANDO PESSOA, 1 DE JANEIRO DE 1920

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