Depois de quando deixei de pensar em depois
Minha vida tornou-se mais calma –
Isto é, menos vida.
Passei a ser o meu acompanhamento em surdina.
Olho, do alto da janela baixa,
As garotas que dançam a brincar na rua.
O seu destino inevitável
Dói-me.
Vejo-lho no seu vestido entreaberto nas costas, e dói-me.
Grande cilindro, quem te manda cilindrar esta estrada
Que está calçada de almas?
(Mas a tua voz interrompe-me
- Voz alta, lá de fora, do jardim, rapariga –
E é como se eu deixasse
Cair irresolutamente um livro no chão.)
Não teremos, meu amor, nesta dança da vida,
Que fazemos como brincadeira natural,
As mesmas costas desabotoadas
E o mesmo decote a mostrar-nos a pele por cima da camisa
suja?
ÁLVARO DE CAMPOS, 3 DE JANEIRO DE 1935
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