segunda-feira, 17 de outubro de 2011

FAZ HOJE 78 ANOS





Pobre criança, então julgavas
Que o amor é o que não há?
Todas as almas nascem escravas
Até daquilo que haverá.
Julgavas que, por onde andamos,
Crescem as ervas que pisamos,
E não que as ervas e os ramos
Nasceram por que a vida os dá.


Cuidavas que, porque querias,
A Sorte havia de o querer,
Que só porque tu amarias
O amor te havia de manter.
Não acontece neste mundo
Nada que vá até ao fundo
Da alma. (...)


Quantas vezes, pobre criança,
Terias rido dos que são
Malucos, dos que têm 'sperança
Em mais que o pobre coração.
Mas vês - não são mais iludidos
Que esses teus pobres maus sentidos
Que estão agora nos olvidos
Desta exterior imensidão.


E assim mataste o pobre ser
Que tinhas para estares viva.


Serei amado se o quiser,
Mas só por o poder querer
É que minha alma não o quer.


Tem outras faces esta vida
Além daquela em que o sol dá.
Muita coisa viva escondida
Que só quem não quer achará.
Pobre criança que vivias
Nas margens das ribeiras frias
Onde correm sem fim os dias
E o tempo sempre correrá!


Tudo é outro, nada é quem é.
Tudo que vemos ou sonhamos,
À luz do sonho ou da fé,
É outra cousa que pensamos.
Pobre criança, e tu pensaste,
Que te amariam, ou que amaste,
Que nada foste, e nada achaste
Salvo uma sombra que há dos ramos.




FERNANDO PESSOA, 17 DE OUTUBRO DE 1933

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