quarta-feira, 17 de agosto de 2011

FAZ HOJE 81 ANOS





A liberdade, sim a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, e sem velocidades, nem no cansaço!
A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o teu manto de prata para mim...
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,
A noção jurídica da alma  dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!


Passos todos passinhos de criança...
Sorriso de velha bondosa...
Apertar da mão do amigo sério...
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!


Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade,
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote
Da casa do campo da minha infância...
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como não tinha nada que me ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
Salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?


ÁLVARO DE CAMPOS, 17 DE AGOSTO DE 1930



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