terça-feira, 2 de agosto de 2011

FAZ HOJE 78 ANOS

I


Sim,. farei...; e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não faz,
De mim mesmo em inútil nostalgia.


Farei, farei... Anos os meses são
Quando são muitos -  anos, toda a vida,
Tudo... E sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...


Farei, farei, farei... Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo... - a paz, a ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo na minha alma chora?




II


Farei talvez um dia um poema meu,
Não qualquer cousa que, se eu a analiso,
É só a teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anónimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...

Um poema próprio, em que se me vá o ser
Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam como sou me ver.

Ah, mas quem pode ser quem é? Quem sabe
Ter a alma que tem?Quem é quem é?
Sombras de nós, só reflectir nos cabe.
Mas reflectir, ramos irreais, o quê?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.


III

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho concebê-lo!

Sossega, coração, contudo ! Dorme !
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

FERNANDO PESSOA, 2 DE AGOSTO, DE 1933




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