Ah, a antiga canção,
Amor, renova agora...
Na noite, ao luar, na solidão,
Mais do que durar o teu canto chora.
Chora por mim, não sei que dor
Alheia e minha, e que eu tenho e esqueço.
Só por tu assim cantares te chamo amor,
Nunca te vi; não te conheço.
És só uma voz, casual, talvez
Que apenas canta enquanto és nada.
Voz nada já na viuvez
De teu ser nulo, donde é alada.
Não haverá em nós
Uma dor que não conhecemos
Que, quando estamos sós,
Pára por sobre os remos.
E a viagem da vida corre sobre o sono
Do remador alheio...
Ah, a antiga canção, e o abandono
Que, de ouvi-la em mim leio.
Cantas; não sei quem és, nem do canto
Sei mais do que o meu coração.
Quanto tu choras passa no quebranto
Da noite, os luares da solidão
E à janela da casa alta do monte
Uma luz aparece
(Isto é em minha alma, sombra e horizonte -
E a vida esquece.)
FERNANDO PESSOA, 10 DE JULHO DE 1920
Sem comentários:
Enviar um comentário