CANÇÃO TRISTE
O Sol, que dá nas ruas, não dá
No meu carinho.
A felicidade quando virá?
Por que caminho?
Horas e horas por fim são meses
De ansiado bem.
Eu penso em ti indecisas vezes
E tu ninguém!
Não tenho barco para a outra margem,
Nem sei do rio.
Ah! E envelhece já a tua imagem
E eu sinto frio.
Não me resigno, não me decido,
Choro querer...
Sempre eu! Ó sorte dá-me o olvido
De pertencer!
Enterrei hoje outra vez meu sonho
Amante má.
Tornou-se triste por ser risonho,
E não ser já.
Inútil brisa roçando leve
Já morta flor,
Saudando a um bem que não se teve
Vácuo com dor.
Triste se é triste, e de o ser não
finda
Quando é conforto
Como mãe louca que embala ainda
Um filho morto.
FERNANDO PESSOA, 22 DE JUNHO DE 1917
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