A VIDA DE ARTHUR RIMBAUD
- E eu, que serei sempre como
cobarde ante o Longe,
- Que nunca partirei
definitivamente,
- Procuro o meu sonho, embora o reze
do Oriente,
Mas ficarei eternamente monge
Dentro em meu próprio sonho dele ausente.
Eu que nunca verei a aventura de
perto
Que nunca beijarei os lábios da
Distância
E nunca sentirei vir pra mim a
fragrância
De lábios reais sob um céu outro e
certo
E eternamente numa incerta infância
Eternamente virgem de afastar-me
Por mais que pese sobre mim a vida
E o Lugar seja a escória endurecida
Da ânsia infiel e interior de dar-me
A um falso e eterno impulso para a
Ida.
Eu que nunca serei mais que o que
anseia
E já sabe, ao ansiar, que não
alcança
Aquilo que parece ser a esp'rança
E nem se recreia
Dum gesto como que de quem se dança...
Invejo a tua vida arremessada,
Atirada p'ra longe, p'ra
perder-se...
Vida que abre as velas, e ei-la a
encher-se
De si sem pensar em ter uma chegada,
E de estar longe sem pensar em
ver-se.
Invejo a tua vida e tenho dela
Que não foi minha, como que
saudades,
Descem em mim obscuras ansiedades
Um mar em mim tormentas em capela
Feitas das minhas ocas saciedades.
Possuidor do Longe que sonhaste,
Torturado por tua imperfeição...
Não sei porque tu não viveste são
Flor que tanto soube ser alta na
haste
Que em vício e sombra... mas
desabrochaste
E a tua vida foi o teu pendão.
FERNANDO PESSOA, 20 DE NOVEMBRO DE
1912
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