COSTA DO SOL
I
Todas
as coisas são impressionantes.
Enquanto
houver no mundo sangue e rosas
Há-de
haver sempre certos bons instantes
Em
que se passam coisas sem ser coisas.
Meu
coração, um solavanco, ou antes
Um
intervalo consciente. Lousas
Cobrem
os que como eu tinham rompantes
Em
que iam à conquista das teimosas.
Mas
o foguete é um símbolo que sobe
Para
cair, depois de ruídos no alto,
Mera
cana caduca, e até sobre
Quem o deitou... E
o que um garoto leva
Da rua - a cana
ardida - é quanto falto
Que absurdo
pirotécnico me eleva?
II
Deixo, deuses,
atrás a dama antiga
(Com uma letra
diferente fixo
O absurdo, e rio,
porque sofro). Digo:
Deixo atrás quem
amei, como um prefixo...
Outrora eu, que era
anónimo e prolixo
(Dois adjectivos
que de há muito sigo)
Amei por ter um
coração amigo.
Amo hoje o que amo
só porque o persigo.
Dêem-me vinho que
um Horácio cante!
Quero esquecer o
que de meu é meu...
Quero, sem que me
mexa, ir indo adiante.
Estou no Estoril e
olho para o céu...
Ah que ainda é
certo aquele azul ovante
Que esplendeu
astros sobre o mar egeu.
III
Somos meninos de
uma primavera
De que alguém fez
tijolos. Quando cismo
Tiro da cigarreira
um misticismo
Que acendo e fumo
como se o esquecera.
No teu ar de dormir
nessa cadeira,
Reparo agora, feito
o exorcismo,
Que o terceiro
soneto ergue do abismo)
És sempre a mesma,
anónima - terceira...
Ó grande mar atlântico, desculpa!
Cuspi à tua beira
três sonetos.
Sim, mas cuspi-os
sobre a minha culpa.
Mulher, amor,
alcova - sois tercetos!
Só vós ó mar e céu
nos libertais,
Que qualquer trapo
incógnito franjais
...............................................................
Sossego? Outrora?
Ora adeus! Foi feita
No cárcere a
Marília de Dirceu.
De realmente meu só
tenho eu.
Pudesse eu pôr um
dique ao que em mim espreita,
(No seu perfil de
pálida imperfeita,
Recorte morto
contra um vivo céu,(…)
ÁLVARO DE CAMPOS, 9 DE SETEMBRO DE 1932
Sem comentários:
Enviar um comentário