No ouro sem fim da tarde morta,
Na poeira de ouro sem
lugar
Da tarde que me passa
à porta
Para não parar,
No silêncio dourado
ainda
Dos arvoredos
verde-fim,
Recordo. Eras antiga
e linda
E estás em mim...
Tua memória há sem
que houvesses,
Teu ar, sem que
fosses alguém.
Como uma brisa me
estremeces
E eu choro um bem...
Perdi-te. Não te
tive. A hora
É suave para a minha
dor.
Deixa meu ser que
rememora
Sentir o amor,
Ainda que amar seja
um receio,
Uma lembrança falsa e
vã,
E a noite deste vago
anseio
Não tenho manhã.
FERNANDO PESSOA, 21
DE DEZEMBRO DE 1918
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