quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

FAZ HOJE 83 ANOS




Hoje que nada sou e nada quero,
Relíquia inútil de quem fui,
Eu que meu fim, sem resignar-me, 'spero
E nada sou do que fui eu em mim,
Aqui, onde este rio obscuro flui,
Quero, sentindo-me ir, ser eu enfim...

Desejo, sem esperança, ver correr
Estas inertes águas fugidias,
Servo de nada ter e nada ser,
E sem esperança ver passar sem forma
O curso inútil dos inúteis dias
Que são a minha vida e a minha norma.

Outrora havia outra esperança minha,
Outra era vida que teria aqui,
Mas a quem coroaram como rainha
Caiu, por falsa e vil a coroa infiel.
E assim a taça de ouro do que eu vi,
Quando a ergui à boca, tinha fel.

FERNANDO PESSOA, 1 DE FEVEREIRO DE 1934


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