Eu irei contigo, na hora batel de flores,
Pelo rio improfícuo de nos sentirmos viver,
Sem remos nem alarde ao acaso das cores
Que o poente pinta no incerto rio, perde
O sentimento preciso da contingência das cousas,
A líquida confusão de viver com sentir,
E tudo isso será uma ilha cheia de rosas
A meio do rio, ensombrando o barco passando rente, a
delir
A sua forma na água e na tarde. Iremos
Para a dissimulação magoada onde o rio alarga
E cansa vagamente não termos vela nem remos,
Nem um destino pensado para alívio da hora amarga.
Tudo isto se terá passado quando chegarmos, no escuro,
À vida, onde outra cousa que nós nos acontece,
Nas áleas de labirinto por onde à terra desce
O guarda do Vale das Névoas e da Porta no Muro.
FERNANDO PESSOA, 10 DE FEVEREIRO DE 1917
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