Mas tu mulher, tu homem, tu criança,
Tu, menino da incógnita clareza,
Em que sonhos de sombra e de beleza,
Banhaste de ouro e alarme a tua 'sp'rança?
Príncipe falso de domínios idos,
Vivendo louco entre o que vive a estar,
Não tinhas aqui casa nem lugar,
Senhor pardo dos sonhos esquecidos...
Teu coração batia de outro modo
Que o ritmo que faz coisas das estrelas.
Para ti as manhãs seriam belas
Se ali coubesse o universo todo.
E assim, tomando a vida por brinquedo,
A escangalhaste, ainda se fora a tua.
Amuaste porque te não deu a lua
Quem dá a dor, as fórmulas e o medo.
E assim partiste, como um cavaleiro
Da Idade Média que só há em nós
À procura de anónimos avós
Que fossem donos do universo inteiro.
FERNANDO PESSOA, 18 DE JANEIRO DE 1935
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