Do alto da cidade
Olho e em baixo, profusa,
A multiplicidade
Tão nítida e confusa
Das casa da cidade...
O céu é todo azul
E a cidade é vazia
Há um calor que me esfria
No seu gesto de sul
Sob o céu todo azul...
Sim, dessa mole mista
De casas, tectos, espaços
Sai um hálito a cansaços
Que sem q'rer me contrista
Numa oca angústia mista...
Porque é que me entristece
Ver ao sol a cidade
Que parece se invade
De vida e ao sol se aquece
Até que se entristece?
Nunca sei porque sinto...
Mas uma angústia enorme
Rompe em mim um recinto...
Acorda o que em mim dorme
E é a dor que sempre sinto...
A mágoa inconsolada
De não ter não sei quê...
O que é que a cidade é
Que sem ser p'ra mim nada
Faz-me a alma inconsolada?
O que há neste alvo vulto
Que me lembra a tristeza?
É uma vaga beleza
Que busca em mim um culto
Para a alma do seu vulto?
Não sei... Ah, triste, triste...
Tão triste ao vê-la assim
Alegre... Ruas, jardim...
As casas... Isso existe...
Com que angústia estou triste!
FERNANDO PESSOA, 8 DE MAIO DE 1915
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