domingo, 5 de fevereiro de 2012

FAZ HOJE 80 ANOS



São poucos os momentos de prazer na vida...
É gozá-la...Sim, já o ouvi dizer muitas vezes
Eu mesmo já o disse (Repetir é viver.)
É gozá-la, não é verdade?


Gozemo-la, loura falsa, gozemo-la, casuais e incógnitos,
Tu, com teus gestos de distinção cinematográfica
Com teus olhares para o lado a nada,
Cumprindo a tua missão de animal emaranhado;
Eu no plano inclinado da consciência para a indiferença,
Amemo-nos aqui. Tempo é só um dia.
Tenhamos o (?romantismo?) dele!
Por trás de mim vigio, involuntariamente.
Sou qualquer nas palavras que te digo, e são suaves - e as que esperas.
Do lado de cá dos meus Alpes, e que Alpes! somos do corpo.
Nada quebra a passagem prometida de uma ligação futura,
E vai tudo elegantemente, como em Paris, Londres, Berlim.
"Percebe-se", dizes, " que o senhor viveu no estrangeiro."
E eu que sinto vaidade em ouvi-lo!
Só tenho medo que me vás falar da tua vida...
Cabaret de Lisboa? Visto que o é, seja.
Lembro-me subitamente, visualmente, do anúncio do jornal
"Rendez-vou da sociedade elegante",
Isto.
Mas nada destas reflexões temerárias e futuras
Interrompe aquela conversa involuntária em que te sou qualquer.
Falo médias e imitações
E cada vez, vejo e sinto, gostas mais de mim a valer que (...) hoje;
É nesta altura que, debruçando-me de repente sobre a mesa
Te segredo em segredo o que exactamente convinha.
Ris, toda olhar e em parte boca, efusiva e próxima,
E eu gosto verdadeiramente de ti.
Soa em nós o gesto sexual de nos irmos embora.
Rodo a cabeça para o pagamento...
Alegre, álacre, sentindo-te, falas...
Sorrio.
Por trás do sorriso não sou eu.


ÁLVARO DE CAMPOS, 5 DE FEVEREIRO DE 1932





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