sábado, 15 de agosto de 2020

FAZ HOJE 86 ANOS

 


 

A pompa inútil dos teus gestos quedos,

Como que à espera do ritual a dar,

Não traz ainda os segredos

Que ninguém tem para entregar.

Mas é como um prelúdio entre rochedos

Ao que é o som do mar.

 

Deram-me rosas para que eu viesse.

Deram-me lírios para que sonhasse.

A rosa murcha e esquece,

E o lírio cai antes que amarelasse.

Mas isso tudo é a teia que nos tece

Uma aranha que nos amasse.

 

Ah, em vez de rosas, lírios, ou que seja

Que me dêem o céu e o mar sem fim

E o que da aragem vaga seja

Tudo o que faz dormir assim.

E o que de tudo eu sonhe ou até veja

Que seja sempre só em mim.

 

FERNANDO PESSOA, 15 DE AGOSTO DE 1934

 

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