O PASTOR AMOROSO
VII
Talvez quem vê bem não sirva para
sentir
E não agrade por estar muito antes
das maneiras.
É preciso ter modos para todas a
cousas,
E cada cousa tem o seu modo, e o
amor também.
Quem tem o modo de ver os campos pelas
ervas
Não deve ter a cegueira que faz
fazer sentir.
Amei e não fui amado, o que só vi no
fim,
Porque não se é amado como se nasce
mas como acontece.
Ela continua tão bonita de cabelo e
boca como dantes,
E eu continuo como era dantes,
sozinho no campo.
Como se estivesse estado de cabeça
baixa,
Penso isto e fico de cabeça alta
E o dourado sol seca a vontade de
lágrimas que não posso deixar de ter.
Como o campo é grande e o amor é
pequeno!
Olho, e esqueço, a forma como a
gente enterra e as árvores se desfolham.
Eu não sei falar porque estou a
sentir.
Estou a escutar a minha voz como se
fosse de outra pessoa,
E a minha voz fala dela como se ela
é que falasse.
Tem o cabelo de um louro amarelo de
trigo
ao sol claro,
E a boca quando fala diz cousas que
não há nas palavras.
Sorri, e os dentes são limpos como
as pedras do rio.
ALBERTO CAEIRO, 18 DE NOVEMBRO DE
1929
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