Sem impaciência,
Sem curiosidade,
Sem atenção,
Vejo o crochet que com ambas as mãos
combinadas
Fazes.
Vejo-o do alto de um monte
inexistente,
Malha após malha formando pano...
Qual é a razão que te dá
entretenimento
Às mãos e à alma essa coisa rala
Por onde se pode meter um fósforo
apagado?
Mas também
Qual a razão que assiste a eu te
criticar?
Nenhuma.
Eu também tenho um crochet.
Data de desde quando comecei a
pensar...
Malhas sobre malhas formando um todo
sem todo...
Um pano que não sei se é para um
vestido ou p'ra nada -
Uma alma que não sei se é p'ra
sentir ou viver...
Olho-te com tanta atenção
Que já nem dou por ti...
Crochet, almas, filosofia...
Todas as religiões do mundo...
Tudo quanto nos entretém ao serão de
sermos...
Dois marfins, uma volta, o
silêncio...
ÁLVARO DE CAMPOS, 9 DE AGOSTO DE
1934
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