domingo, 28 de outubro de 2012

POEMA SEM DATA



LISBON REVISITED
              (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não  me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz aos outros todos?


Se têm a verdade, guardem-na!


Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.


Fora disso sou doido, com todo o direito de sê-lo.

Com todo o direito de sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!


Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, ou o contrário de qualquer cousa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou eu, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou só sozinho!
Ah, que maçada querem que eu seja de companhia!

Ó céu azul - o mesmo da minha infância -,

Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade em que o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

ÁLVARO DE CAMPOS 




          

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