GLOSAS
Toda a obra é vã e vã a obra toda.
O vento vão, que as folhas vãs enroda,
Figura o nosso esforço e o nosso estado.
O dado e o feito, ambos os dá o Fado.
Sereno, acima de ti mesmo fita
A possibilidade erma e infinita,
De onde o real emerge inutilmente,
E cada, e só para pensares sente.
***
Nem o bem nem o mal define o mundo.
Alheio ao bem e ao mal, do céu profundo
Suposto, o Fado que chamamos Deus
Rege nem bem nem mal a terra e os céus.
Rimos, choramos através da vida.
Uma coisa é uma cara contraída
E outra uma água com um leve sal.
E o Fado fada alheio ao bem e ao mal.
***
Doze signos do céu o sol percorre,
E, renovando o curso, nasce e morre
Nos horizontes do que contemplamos.
Tudo em nós é o ponto de onde estamos.
Ficções da nossa mesma consciência
Jazemos o instinto e a ciência.
E o sol parado nunca percorreu
Os doze signos que não há no céu.
FERNANDO PESSOA, 14 DE AGOSTO DE 1925
Sem comentários:
Enviar um comentário