quarta-feira, 8 de maio de 2013

FAZ HOJE 98 ANOS





Do alto da cidade 
Olho e em baixo, profusa, 
A multiplicidade 
Tão nítida e confusa 
Das casas da cidade...

O céu é todo azul 
E a cidade é vazia 
Há um calor que me esfria 
No seu gesto de sul 
Sob o céu todo azul... 

Sim, dessa mole mista 
De casas, tectos, espaços 
Sai um hálito a cansaços 
Que sem qu’rer me contrista 
Numa oca angústia mista... 

Porque é que me entristece 
Ver ao sol a cidade 
Que parece se invade 
De vida e ao sol se aquece 
Até que se entristece? 

Nunca sei porque sinto... 
Mas uma angústia enorme 
Rompe em mim um recinto... 
Acorda o que em mim dorme 
E é a dor que sempre sinto... 

A mágoa inconsolada 
De não ter não sei quê... 
O que é que a cidade é 
Que sem ser p’ra mim nada 
Faz-me a alma inconsolada? 

O que há neste alvo vulto 
Que me lembra a tristeza? 
É uma vaga beleza 
Que busca em mim um culto 
Para a alma do seu vulto? 

Não sei... Ah, triste, triste... 
Tão triste ao vê-la assim 
Alegre... Ruas, jardim... 
As casas... Isto existe... 
Com que angústia estou triste! 


FERNANDO PESSOA, 8 DE MAIO DE 1915

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