sábado, 31 de outubro de 2015

FAZ HOJE 88 ANOS




Ó curva do horizonte, quem te passa
Passa da vista, não de ser ou de 'star.
Assim talvez a anónima desgraça
Chamada morte, saiba não mutar.

Na curva da consciência, se nos perde
A visão do que amamos, não o ser...


FERNANDO PESSOA, 31 DE OUTUBRO DE 1927


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

FAZ HOJE 84 ANOS




Sim, não tenho razão...
Deixa-me distrair-me do argumento mental,
Não tenho razão, está bem, é uma razão como outra qualquer...

Se nem creio? Nem sei.
Creio que sim. Mas repito.
O amor deve ser constante?
Sim, deve ser constante,
Só no amor ,é claro.
Digo ainda outra vez...

Que embrulhada a gente arranja na vida!
Sim, está bem, amanhã trago o dinheiro.

Ó grande sol, tu não sabes nada disto,
Alegria que se não pode fitar no azul sereno inatingível.

ÁLVARO DE CAMPOS, 30 DE OUTUBRO DE 1931


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

FAZ HOJE 95 ANOS




Eu no tempo não choro que me leve
A juventude, o já encanecer
A cabeça que pouco ainda esteve
Sob o sol alto e a tarde a arrefecer.

Nem choro que não me ames, que faleça
O amor que vi em ti, que também haja
Uma tarde do amar, que desfaleça
E a noite fique, (..,)

Mais que tudo choro já não te amar,
Sim, choro a tragédia de não ser o mesmo na alma,
De te ser infiel sem infidelidade,
De me ter esquecido de ti sem propriamente te aborrecer.

Não é o tempo ido em que te amei que choro.
Choro não te amar já por isso ser natural.
Choro ter-te esquecido, choro não me poder lembrar
Com saudade do tempo em que te amei.

Isso é que choro, sim, com as verdadeiras lágrimas
Que contêm em si os piores mistérios -
A morte essencial das cousas,
O acabar das almas, mais grave que o dos corpos,
O abismo onde a única esperança é poder haver Deus
E um outro sentido desconhecido a tudo que se teve e se foi
Um outro lado, nem côncavo nem convexo à curva da vida.



FERNANDO PESSOA, 29 DE OUTUBRO DE 1920


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

FAZ HOJE 85 ANOS



Há um grande vento entre os montes,
E os vales têm alegria.
Aqui não há horizontes,
Mas só os cimos e o dia.
Aqui se esquece o passado,
Até o só imaginado.

Aqui, porque toda a gente
Está do outro lado das serras,
E não há rio que intente
Ligar-nos a outras terras -
Aqui calmos aguardamos
O nada que já esperamos.

Sempre a vontade nos falha
Sempre o desejo nos sobra.
A consciência é uma batalha,
A fantasia é uma obra
Absurda em trezentos tomos.
E a vida é o que não somos.


FERNANDO PESSOA, 28 DE OUTUBRO DE 1930


terça-feira, 27 de outubro de 2015

FAZ HOJE 92 ANOS



DE AMORE SUO

Folha após folha vemos caem,
Cloé, as folhas todas.
Nem antes para elas, para nós
Que sabemos que morrem.
Assim, Cloé, assim,
O amor, antes que o corpo que empregamos
Nele, em nós envelhece;
E nós, diversos, somos, inda jovens,
Só a mútua lembrança.
Ah, se o que somos será isto sempre
E só uma hora é o que somos,
Com tal excesso e fúria em cada amplexo
A hausta vida ponhamos,
Que encha toda a memória, e nos beijemos
Como se, findo o beijo
Único, sobre nós ruísse a súbita
Mole do inteiro mundo.

RICARDO REIS, 27 DE OUTUBRO DE 1923