quarta-feira, 15 de maio de 2013

FAZ HOJE 103 ANOS





Suspiro triste
Da imensidão, 
Que é o que existe? 
Se estendo a mão 
Na solidão 
Ninguém me assiste! 

Amor, perdi-o 
Sonhos deixei. 
Eu tenho frio 
Na imensidão! 
Quem sou não sei. 
Sinto vazio 
Meu coração. 

Sou cego, vendo,  
Só vivo, horror 
No eterno sendo,  
Onde me acoito 
Deste amargor?  
É frio o chão 
Que fria a noite,  
E os astros são!  

Tenho desejo 
De poder ter 
Sono, bocejo 
De n’alma haver 
Um sono, e então 
Ser impossível 
E inconsciencível 
À imensidão.  

Dá-me que deite 
Minha alma em medo 
No teu regaço,  
Ó noite, e aceite 
Por suave segredo 
Teu negro espaço, 
E a solidão 
E os astros mudos 
Escuros e surdos 
Ao coração!  

Que eu durma em alma 
Sem sentir mesmo 
Surgir a calma, 
Que eu durma todo 
Nada no nada 
Lodo do lodo 
Chão e só chão.

E aí que quem venha 
Pisando então 
O pó, não tenha 
Desejo vão; 
Saiba a ignorância 
E o amar amor 
E a (…) da vida 
(…) fragrância 
Espontânea dor 
Da flor nascida. 
Acabe então 
Na alma minha 
O horror que a invade 
Sentir baixinho 
Ao coração 
A imensidade 
Da solidão.  


FERNANDO PESSOA, 15 DE MAIO DE 1910

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