quinta-feira, 2 de maio de 2013

FAZ HOJE 103 ANOS





Embalai nos braços 
(A noite é suave 
E aromas dispersos 
Parecem infindos) 
Embalai nos braços 
Os infantes lindos 

E cantai-lhes triste 
(A noite é de prata 
E o silencio assiste 
À beleza etérea) 
Cantai esta triste 
Melodia aérea: 

"Havia uma fada 
(A noite é silente 
E água prateada 
Treme em solidão) 
Havia uma fada 
Que amava um tritão... 

O tritão ficara 
(A noite é (…)
Como pedra rara 
E Eleusis) 
O tritão ficara 
Dos antigos deuses. 

E a fada fugira 
(A noite na (…)
Em ardor suspira, 
Pensamento-monge) 
E a fada fugira 
Do deus, ao longe.

Amaram-se, a fada 
(A noite silente 
É entrecortada 
Dum suspiro fundo) 
Amaram-se, a fada 
E o tritão jocundo. 

E juntos morreram 
(No vento (..)
Do vento nasceram 
Os primeiros ais) 
E juntos morreram 
Nos mares fatais. 

Mas deixaram pura 
(Eis a noite fresca 
Que se torna escura 
No morto horizonte) 
Mas deixaram pura 
Uma filha insonte. 

E essa filha triste 
(No horizonte negro 
O negrume existe 
Menos, era alvor) 
Essa filha triste 
Dum secreto amor. 

Porque ela no mar 
(Uma linha vaga 
Do alvor (…)
O (…)doente) 
Porque ela no mar 
Fada (…) se sente. 


E na terra tudo 
(Eis quasi alva a linha 
Do horizonte, e em roda 
Que burburinha) 
E é na terra toda 
Sente-se náiade. 

E por isso chora 
(Esbranquecia já mais 
O alvor da aurora 
No nítido horizonte) 
E por isso chora 
Quer em mar ou monte. 

E por isso canta 
(É dum branco estranho 
O aurorear que encanta 
A alma à solidão) 
E por isso canta 
Com o coração. 

E o silêncio faz 
(O horizonte nítido 
Prende a nitidez 
Numa vaga cor) 
O silêncio faz 
Eco à sua dor 

E essa voz que chora 
(É dum verde vago 
O nascer d"aurora 
No horizonte em sombra) 
E essa voz que chora 
(…)

Chora a vã tristeza 
(Cora levemente 
Verde na incerteza 
Do rubro silente) 
Chora a vã tristeza 
Do eterno ausente. 


FERNANDO PESSOA, DE MAIO DE 1910

Sem comentários: