terça-feira, 19 de fevereiro de 2019


-->

B
   POEMA SEM DATA

   Bem sei que tudo é natural
   Mas ainda tenho coração...         
   Boa noite e merda!...
( (Estala, meu coração!)
( (Merda para a humanidade inteira!)
   Na casa da mãe do filho que foi atropelado,
   Tudo ri, tudo brinca.
   E há um grande ruído de buzinas sem conta a lembrar
   Receberam a compensação:
   Bebé igual a X,
   Gozam o X neste momento ,             Comem e bebem o bebé morto,
    Bravo! São gente!
    Bravo! São a humanidade!
    Bravo: são todos os pais e todas as mães
    Que têm filhos atropeláveis!
     Como tudo esquece quando há dinheiro. 
     Bebé igual a X  .
     Com isso se forrou a papel uma casa.     
   Com isso se pagou a última prestação da mobília .  
      Coitadito do Bebé.
       Mas, se não tivesse sido morto por atropelamento, que seria das contas? , era amado.
       Sim, era querido        
.      Mas morreu
       Paciência, morreu!
       Que pena, morreu!
       Mas deixou o com que pagar contas
       E isso é qualquer coisa.
(     (É claro que foi uma desgraça)
       Mas agora pagam-se as contas.
(     É claro que aquele pobre corpinho
       Ficou triturado) 
       Mas agora, ao menos, não se deve na mercearia.
(      (É pena sim, mas há sempre um alívio.)
       O bebé morreu, mas o que existe são dez contos.
     Isso, dez contos.
     Pode fazer-se muito (pobre bebé) com dez contos.
     Pagar muitas dívidas (bebezinho querido)
     Com dez contos.
     Pôr muita coisa em ordem
(    (Lindo bebé que morreste) com dez contos.   
     Bem se sabe é triste
(    (Dez contos)
      Uma criancinha nossa atropelada
(     (Dez contos)
       Mas a visão da casa remodelada
(      (Dez contos)
        De um lar reconstituído
(       (Dez contos)
         Faz esquecer muitas coisas (como o choramos!)
         Dez contos!
         Parece que foi por Deus que os recebeu
(        Esses dez contos.
         Pobre bebé trucidado!
         Dez contos.
         
         FERNANDO PESSOA, SEM DATA





o   ...
o   ...
·       3. Odes de Ricardo Reis
·       5. Livro do Desassossego
·       6. MENSAGEM
·       7. Poesia Inglesa
·       8. Textos Heterónimos
§  ...
§  ...
·       9. Obra Dramática
·       10. Ficções
·       11. Textos Filosóficos
·       13. Ensaio e Crítica
·       15. Sobre Portugal
·       16. Escritos Ocultistas
·       18. Correspondência
·       19. Escritos Íntimos
·       20. Textos de Juventude
·       21. Notas e Reflexões
·       22. Outros Fragmentos


Sem comentários: