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POEMA SEM DATA
Bem sei que tudo é natural
Mas ainda tenho coração...
Boa noite e merda!...
( (Estala, meu coração!)
( (Merda para a humanidade inteira!)
Na casa da mãe do filho que foi
atropelado,
Tudo ri, tudo brinca.
E há um grande ruído de buzinas
sem conta a lembrar
Receberam a compensação:
Bebé igual a X,
Gozam o X neste momento , Comem e bebem o bebé morto,
Bravo! São gente!
Bravo! São a humanidade!
Bravo: são todos os pais e todas
as mães
Que têm filhos atropeláveis!
Como tudo esquece quando há
dinheiro.
Bebé igual a X .
Com isso se forrou a papel
uma casa.
Com isso se
pagou a última prestação da mobília .
Coitadito do Bebé.
Mas, se não tivesse sido
morto por atropelamento, que seria das contas? , era amado.
Sim, era querido
. Mas morreu
Paciência, morreu!
Que pena, morreu!
Mas deixou o com que pagar
contas
E isso é qualquer coisa.
( (É claro que foi uma
desgraça)
Mas agora pagam-se as
contas.
( É claro que aquele pobre
corpinho
Ficou triturado)
Mas agora, ao menos, não se
deve na mercearia.
( (É pena sim, mas há sempre
um alívio.)
O bebé morreu, mas o que
existe são dez contos.
Isso, dez contos.
Pode fazer-se muito (pobre
bebé) com dez contos.
Pagar muitas dívidas
(bebezinho querido)
Com dez contos.
Pôr muita coisa em ordem
( (Lindo bebé que morreste) com
dez contos.
Bem se sabe é triste
( (Dez contos)
Uma criancinha nossa
atropelada
( (Dez contos)
Mas a visão da casa
remodelada
( (Dez contos)
De um lar reconstituído
( (Dez contos)
Faz esquecer muitas
coisas (como o choramos!)
Dez contos!
Parece que foi por Deus
que os recebeu
( Esses dez contos.
Pobre bebé trucidado!
Dez contos.
FERNANDO PESSOA, SEM DATA
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§ ...
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