sábado, 30 de novembro de 2013

Hmenagem a Fernando Pessoa

1888 - 1935

Faz hoje 78 que, com apenas 47 anos, morreu Fernando Pessoa.
Estes poemas são uma homenagem de gratidão por tanta Beleza que ele nos legou.





Ao pé de mim os mortos esquecidos
Volveram todos. Eu em sonhos os vi.
Se os amei, como foi que os esqueci?
Se os esqueci, como foram queridos?

Rápida vida, como os fizeste idos!
Com que fria memória os lembro aqui!
Já desleixo chorar o que perdi,
Lembro-os longe da sombra dos sentidos.

Quando os perdi, pensei: Cada momento
Me lembrará sua presença morta,
Eterna em meu constante pensamento.

Mas lentamente a vida fecha a porta.
Fechada toda, o olhar 'stá desatento.
Para longe de Deus quem me transporta?

FERNANDO PESSOA, 11 DE ABRIL DE  1925




    
Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo, sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes, como eu, a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outro, sobretudo a morte.
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando entre as últimas notícias dos jornais da noite,
Interseccionando a pena de teres morrido com o último crime...
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a retirada preta para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro um alívio em todos
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas aniversáriamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada. Absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti,
Duas vezes no ano suspiram ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti, porque só tu és importante para ti.
Se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? o que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciências da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das cousas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...


ÁLVARO DE CAMPOS, 26 DE ABRIL DE 1926




Tão cedo tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.

RICARDO REIS, 3 DE NOVEMBRO DE 1923



É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, para lhe dizer adeus.
Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada.

ALBERTO CAEIRO, 1920?

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